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segunda-feira, 20 de junho de 2016

SKOL É CONDENADA POR PROPAGANDA OFENSIVA ÀS MULHERES

Procon/SP considerou que a peça "Musa do Verão" colocava a mulher em posição de "objeto disponível". TJ/SP manteve multa.
A 7ª câmara de Direito Público do TJ/SP manteve multa aplicada pelo Procon/SP à Ambev, devido a uma propaganda da Skol considerada abusiva e discriminatória às mulheres.
Na peça publicitária "Musa do Verão", veiculada na TV em 2006, é retratado...
um processo de clonagem, no qual a respectiva mulher modelo passa a ser entregue a homens de diversos lugares.

A propaganda trazia a ideia de que se o "cara" que inventou a Skol tivesse inventado também a musa do verão, ela seria acessível a todos os homens. O Procon considerou que o comercial colocava a mulher em posição de "objeto disponível".
Questão de gênero
Segundo o relator do recurso, desembargador Luiz Sergio Fernandes de Souza, neste contexto de mercantilização da mulher, não se pode desconsiderar as questões de gênero, como pretendido, para dizer que a propaganda invoca apenas símbolos do verão.
"O argumento da peça publicitária é mais o que infeliz, pois 'coisifica' a mulher, servindo-a, mediante entrega, para desfrute do consumidor. Em outras palavras, nela, o gênero feminino transforma-se em objeto de consumo."
Para o magistrado, houve discriminação do sexo feminino na peça a justificar a lavratura do auto de infração e a imposição de multa, com fundamento no artigo 37, § 2º, do CDC.
"A luta pelo espaço igualitário da mulher na sociedade é tema que ganha cada vez mais força no mundo. No momento em que a sociedade busca proscrever a ideia de que o gênero feminino é mero objeto de prazer, não se pode legitimamente sustentar que a valorização da mulher seja vista apenas como uma bandeira de determinado setor (radical) da sociedade. Todos estão envolvidos com a superação de estereótipos grosseiros, lugar comum sempre presente quando o assunto é publicidade."
Irresignado com o mote da peça, o relator destaca que impressiona que, em pleno século XXI, uma empresa multinacional e multibilionária invista em campanha abertamente preconceituosa, mas que, "para todos os efeitos", buscar ser apenas "engraçada".
"Não se trata de exercer o direito de tolerância, tampouco de romper com uma certa hipocrisia social, na linha do 'politicamente correto', mas de perceber que a estética feminina, por mais apreciável que seja, não se confunde com lata de cerveja, produto que as pessoas consomem e depois jogam fora."
Fonte: Site Migalhas

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Maria da Gloria Perez Delgado Sanches

ACÓRDÃO Vistos, relatados e discutidos estes autos do Apelação nº 0005431-07.2010.8.26.0053, da Comarca de São Paulo, em que é apelante FUNDAÇAO DE PROTEÇAO E DEFESA DO CONSUMIDOR PROCON/SP, é apelado COMPANHIA DE BEBIDAS DAS AMERICAS AMBEV S/A. ACORDAM, em 7ª Câmara de Direito Público do Tribunal de Justiça de São Paulo, proferir a seguinte decisão: "Por maioria de votos, deram provimento ao recurso, contra voto do 3° Juiz, que declarará. Declarará voto convergente o revisor. Sustentou oralmente o Dr. Victor Lamas.", de conformidade com o voto do Relator, que integra este acórdão. O julgamento teve a participação dos Exmos. Desembargadores COIMBRA SCHMIDT (Presidente) e MOACIR PERES. São Paulo, 11 de março de 2016. LUIZ SERGIO FERNANDES DE SOUZA RELATOR Assinatura Eletrônica Voto nº 10.585 Apelação Civil nº 0005431-07.2010.8.26.0053 Comarca de São Paulo Apelante: Fundação de Proteção e Defesa do Consumidor PROCON/SP Apelada: Companhia de Bebidas das Américas - AMBEV AÇÃO ORDINÁRIA Mensagem publicitária televisiva, produzida pela AMBEV, no contexto de campanha intitulada “Musa do Verão”, veiculada no ano de 2006 Autuação lavrada pelo PROCON/SP, com base na regra do art. 37, § 2º, do CDC, à vista do caráter abusivo da mensagem publicitária “Coisificação” da mulher caracterizada, porquanto a peça publicitária mostra “clones” da musa do verão, representada por conhecida personagem da mídia, sendo entregues, em carrinhos, por homens para homens, supostamente também consumidores da cerveja Liberdade de criação que não se concilia com mensagem que discrimina o gênero feminino, tratando a mulher como objeto de consumo Procedimento de autuação e imposição de multa que se mostra em conformidade com os parâmetros estabelecidos no artigo 57 da LF nº 8.078/90, tratando apenas a Portaria 23/2005, editada pelo PROCON, de aplicá-los Valor da multa que se revela em conformidade com a norma do art. 57 da LF nº 8.078/90 Regra do art. 111 da Constituição do Estado que se viu observada Reforma da sentença Recurso provido. Vistos, etc. Trata-se de ação ordinária movida pela Companhia de Bebidas das Américas AMBEV em face da Fundação de Proteção e Defesa do Consumidor PROCON/SP, na qual alega a autora que foi autuada e multada por suposta infração à regra do artigo 37, § 2º, da Lei Federal nº 8.078/90, pois a campanha publicitária televisiva “Musa do Verão”, segundo a requerida, seria abusiva, promovendo determinada marca de cerveja na base da equiparação da mulher a um mero objeto. Afirma a autora, de outra forma, que a noticiada campanha não é abusiva, argumentando a Companhia, neste contexto, com a inexistência de conteúdo discriminatório na peça publicitária por ela veiculada, cujo enredo se passa num mundo de fantasia, como é próprio desta ferramenta do marketing. Aduz ainda que o valor da multa é exorbitante, não se justificando. Argumenta com a existência de julgamento, proferido na Ação Civil Pública nº 9000005-45.2009.8.26.0100, que reconheceu a ausência de ofensa à norma do artigo 37, § 2º, da Lei Federal nº 8.078/90, no qual o órgão colegiado afastou o pedido de reparação a título de danos morais coletivos e difusos formulado pelo Ministério Público, acórdão este que transitou em julgado. Busca, assim, a anulação do ato administrativo ou, subsidiariamente, a redução do valor da multa. Em contestação, a Fundação PROCON alega que a campanha “Musa do Verão” é abusiva, por conferir tratamento desigual e desvantajoso à mulher, que é apresentada, no contexto da peça publicitária, como um objeto disponível, pronto para o consumo de todos os homens. Diante disto, correta se mostraria a autuação, lavrada por infringência à regra do artigo 37, § 2º, do Código de Defesa do Consumidor, bem como razoável seria o valor da multa, aplicada com base na Portaria PROCON nº 23/2005. O juízo de primeiro grau julgou procedente a ação para anular o Auto de Infração nº 1.037 D-5, fazendo-o a magistrada sob fundamento de que, diante do julgamento de improcedência da Ação Civil Pública nº 9000005-45.2009.8.26.0100, descaracterizada está a prática de propaganda discriminatória. Na oportunidade, condenou a requerida ao pagamento de custas e honorários advocatícios, estes fixados em 10% sobre o valor da causa. Em sede de apelação, a Fundação PROCON busca a reforma da r. sentença, repetindo a argumentação desenvolvida na contestação. É o relatório. Não se há de falar em coisa julgada na base do julgamento da Ação Civil Pública nº 9000005-45.2009.8.26.0100, pela E. 4ª Câmara de Direito Privado, pois ali buscava o Ministério Público a condenação da Companhia de Bebidas das Américas AMBEV ao pagamento de valores a título de reparação de danos morais difusos e coletivos, supostamente causados pela veiculação da campanha “Musa do Verão”, enquanto aqui se está diante de controle judicial de ato administrativo, buscando a autora a sua anulação ou, subsidiariamente, a redução do valor da multa imposta. Enfim, o julgamento, na noticiada Ação Civil Pública, não prejudica nem vincula o deslinde da presente ação. É certo que, na noticiada Ação Civil Pública, na qual buscava o Ministério Público de São Paulo a reparação de danos morais experimentados por todo o universo de mulheres diante do conteúdo supostamente discriminatório da campanha publicitária conhecida como “Musa do Verão”, a E. 4ª Câmara de Direito Privado do Tribunal de Justiça, ao tempo em que afastou o reconhecimento da prescrição, aplicando, por analogia, a regra do artigo 515, § 3º, do Código de Processo Civil, julgou improcedente a demanda, fazendo-o sob fundamento de que sobredita propaganda não seria abusiva. Todavia, os motivos invocados no julgamento não fazem coisa julgada (art. 469, III, do CPC).  A magistrada, é inegável, em nenhum momento reconheceu a coisa julgada, mas decidiu a causa como se o pronunciamento da E. 4ª Câmara fosse vinculante, limitando-se a transcrever a ementa e fragmento do voto do Exmo. Relator para lançar, na base do reconhecimento da inexistência de propaganda abusiva, o decreto de improcedência. Diga-se mais, preventa encontra-se esta 7ª Câmara de Direito Público para o julgamento do recurso, pois antes conhecera do Agravo de Instrumento nº 990.10.113520-5, tirado pela AMBEV contra o PROCON, dando-lhe provimento, recurso este julgado em 26/07/2010 (fls. 403 a 411), ao passo que o julgamento da Apelação, na noticiada Ação Civil Pública, deu-se somente em 26/04/12 (fls. 481). Dito isto, passa-se ao julgamento da causa. A publicidade é acima de tudo arte, ainda que contenha, na sua essência, a técnica; é um braço da argumentação de vendas; é notícia de caráter comercial, que visa, principalmente, a construir marcas e estimular o consumo de determinados produtos. Ela não cria valores nem muda hábitos da noite para o dia. É um fenômeno cultural dito derivado, pois reflete valores e códigos da sociedade, sem nada inventar ou inovar. Trabalha, em grande parte, com o mundo da fantasia e do lúdico, buscando despertar a atenção do consumidor. O mundo irreal da arte publicitária poderá tornar-se real caso a campanha seja construtiva e bem aceita pelos consumidores, não se revelando legítimas, neste cenário, quaisquer limitações por parte do direito, que não tem por objetivo coatar a imaginação dos publicitários, mas sim proteger aquele que, vulnerável, sob diversos aspectos, acaba sendo influenciado diante da mensagem transmitida pela propagada. Nesta esteira, o legislador, na regra do artigo 37 do Código de Defesa do Consumidor, tratou da publicidade enganosa e abusiva, dispondo, no § 2º, no sentido de que “é abusiva, dentre outras, a publicidade discriminatória de qualquer natureza, a que incite a violência, explore o medo ou a superstição, aproveite-se da deficiência de julgamento e experiência da criança, desrespeite valores ambientais, ou que seja capaz de induzir o consumidor a se comportar de forma prejudicial ou perigosa à sua saúde ou segurança”. Ao que se retira do artigo acima transcrito, a figura da publicidade abusiva é ampla, tratando a norma de estabelecer rol meramente exemplificativo, como se retira do emprego da expressão “dentre outras”, que deixa margem para um largo espectro de julgamento. Embora inexista, entre juristas e publicitários, um consenso sobre a definição de “publicidade abusiva”, tem-se de levar em conta que há uma medida para todas as coisas, que existem, afinal, limites (Horácio, Sátira, I, 1). E estes contornos, na estipulação do conceito, hão de considerar o arcabouço de valores sociais que a Carta Constitucional buscou promover, tanto quanto o princípio da dignidade da pessoa humana e o direito da personalidade. O princípio constitucional no qual está fundada a  proibição da publicidade de natureza discriminatória encontra-se consolidado na regra do artigo 3º, IV, da Constituição Federal, que assim dispõe: Constituem objetivos fundamentais da República Federativa do Brasil (...) promover o bem de todos, sem preconceito de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação. No dizer do jurista Antônio Herman de Vasconcelos Benjamin, “é abusiva a publicidade que discrimina o ser humano, sob qualquer ângulo ou pretexto. A discriminação pode ter a ver com a raça, com o sexo, com a preferência sexual, com a condição social, com a nacionalidade, com a profissão e com as convicções religiosas e políticas” (Manual de Direito do Consumidor , 6ª ed., 2014, SP, RT, p. 298). E o abuso, ou a configuração dele, independe do elemento subjetivo, vale dizer, da intenção, da boa-fé ou da má-fé do idealizador da campanha publicitária ou do agente que a patrocina, caracterizando-se a abusividade pelo dano potencial que pode causar a valores não econômicos, não importando a extensão ou intensidade. Mais que isto, a ideia de abuso do direito, desde a doutrina do Segundo Saleilles, dispensa a noção de culpa ou dolo; age de maneira abusiva aquele que faz uso anormal de um direito, enfim, aquele que se conduz de maneira contrária à função social do direito (Étude sur la théorie générale de l'obligation, d'après le premier projet de Code Civil pour l'empire allemand, apud Carlos Fernández Sessarego, Abuso del Derecho, Buenos Aires, Astrea, 1992, p. 198 e 199). Não se trata de deixar de lado ou de desconsiderar a liberdade de expressão, garantida constitucionalmente, mas de conformar o seu exercício aos valores éticos e morais que têm de ser levados em conta em qualquer segmento da atividade humana. Uma peça publicitária não pode sequer sugerir mensagem depreciativa nem ofensiva a determinado grupo social. Cada um de nós tem uma visão da vida e das coisas, na esfera da subjetividade, da consciência individual. Todavia, a atividade humana dirigida a um valor, objeto da Ética, há de levar em consideração não só a esfera das elaborações subjetivas do indivíduo (Ética individual), como também os valores da coletividade em que o indivíduo age (Ética social). Neste espaço, em que atua a consciência coletiva e no qual transitam a Moral Social e o Direito, sobreleva considerar a conduta como bem social, que supera o valor do bem para cada um (a propósito destas reflexões, v. Miguel Reale, Lições preliminares de direito, 12ª ed., SP, Saraiva, 1985, p. 35 a 40). No caso em exame, a autora foi autuada pelo PROCON-SP por patrocinar a veiculação, durante o verão de 2006, da campanha “Musa do Verão”. A respectiva peça publicitária mostra, num contexto fictício, um processo de clonagem da dita musa do verão, a qual passa a ser entregue a homens de diversos lugares. Alguns gostam do clone; outros não, por acreditar que “veio com defeito”. O mote traz a ideia de que se o “cara” que inventou a cerveja Skol tivesse inventado também a musa do verão, ela seria acessível, sem defeito nenhum, a todos os homens. Não se trata apenas de dizer que a campanha é manifestamente artificial, pois dá mil voltas só para mostrar o corpo feminino, associando o consumo da cerveja ao acesso dos homens a mulheres esteticamente perfeitas. Mais que isto, a campanha publicitária passa a mensagem de que seria bom se quem “inventou” uma marca de cerveja apreciada por grande parte dos homens pudesse também “inventar” uma mulher pronta para ser consumida a qualquer tempo e a qualquer hora. Nesse contexto de mercantilização da mulher, não se pode desconsiderar as questões de gênero para dizer, como faz a autora, que a propaganda invoca apenas símbolos do verão, a exemplo do Sol, do mar, cenário no qual homens e mulheres aparecem festejando em trajes praianos. Na verdade, o que se vê no filme publicitário são “mulheres clonadas”, carregadas em carrinhos, do tipo que se vê em supermercados, sendo entregues por homens para homens. Nas palavras da própria autora, a ideia é transmitir a mensagem de que, naquele mundo fantástico, mulheres com o fenótipo de musa estariam à disposição de qualquer homem, assim como as cervejas da marca Skol. O argumento da peça publicitária é mais do que infeliz, pois “coisifica” a mulher, servindo-a, mediante entrega, para desfrute do consumidor. Em outras palavras, nela, o gênero feminino transforma-se em objeto de consumo. Alguém poderia dizer que se trata apenas de um “clone” de mulher, e não de uma mulher de carne e osso. Mas as propagandas nunca são feitas de pessoas de carne e osso, pelo que o argumento cede diante do poder de sugestão que o marketing exerce. Tampouco se venha dizer, como afirma a autora, que apenas grupos feministas se mostraram escandalizados com a campanha “Musa do Verão”. O que importa é que nela há discriminação do sexo feminino, a justificar a lavratura do auto de infração e a imposição de multa, com fundamento na regra do artigo 37, § 2º, do Código de Defesa do Consumidor. A luta pelo espaço igualitário da mulher na sociedade é tema que ganha cada vez mais força no mundo. No momento em que a sociedade busca proscrever a ideia de que o gênero feminino é mero objeto de prazer, não se pode legitimamente sustentar que a valorização da mulher seja vista apenas como uma bandeira de determinado setor (radical) da sociedade. Todos estão envolvidos com a superação de estereótipos grosseiros, lugar comum sempre presente quando o assunto é publicidade. Impressiona lembrar que ainda na segunda metade do século passado era comum, na propaganda, o uso da imagem de donas de casa levando palmadas do marido, como aconteceu em icônico anúncio patrocinado por uma empresa de café americana, na década de 60, dentre outros tantos exemplos. Impressiona também que, em pleno século 21, uma empresa multinacional e multibilionária invista em campanha publicitária abertamente preconceituosa, mas que, para todos os efeitos, busca ser apenas “engraçada”, na qual alguém lamenta o fato de a Skol não ter a mesma capacidade de produzir coisas boas, prazerosas e acessíveis, quando se trata de fornecer mulheres para o “consumo do mercado”. Não se nega, na linha do que sustenta a apelada, que o universo masculino sempre foi pródigo em produzir textos e músicas nas quais a mulher surge como fonte do desejo do homem, sempre pronta para servi-lo. É possível lembrar, nesse contexto, o grande Mário Lago, autor de “Ai, que saudades da Amélia”, bem como o inolvidável Ataulfo Alves, em “Mulata Assanhada” (Ai, meu Deus, que bom seria // Se voltasse a escravidão // Eu comprava essa mulata // Prendia no meu coração // E depois a pretoria // É quem resolvia a questão). Mas é preciso ler Casa-Grande e Senzala para entender o porquê essas relações de submissão e posse acham-se quase sempre presentes sobretudo no universo do samba. Para citar Ortega y Gasset, grande admirador da obra de Gilberto Freyre, o homem é ele próprio e suas circunstâncias, pensamento que bem reflete o fato de que toda a produção humana deve ser entendida num determinado contexto de vida (social, cultural, econômico, histórico, existencial, etc.). Bem por isto, tampouco se pode citar Drummond fora do contexto em que o grande poeta brasileiro produziu. No seu primeiro livro, Alguma poesia, de 1930, onde foi publicado o poema Moça e Soldado (e não “A mulher e o soldado”), a que faz referência a autora, o poeta trata do sentimento de desajuste do indivíduo no mundo, ele próprio, um desajustado, expulso que fora do colégio, sob acusação de mau comportamento e “insubordinação mental”, por discordar de um professor durante a aula. Essa passagem, que foi marcante na sua vida, está registrada na autobiografia que Drummond escreveu para a Revista Acadêmica. Aliás, a inquietação de Drummond aparece em vários momentos de sua obra, conforme se retira da antologia poética por ele próprio organizada, em 1962, em poemas reunidos na seção que leva o título “Tentativa de exploração e de interpretação do estar-no-mundo”. Este é o sentido da poesia em parte transcrita na inicial. Faltou completá-la para entender o alcance dos versos: “Moça bonita foi feita para namorar Soldado barbudo foi feito para brigar (...) Só eu não brigo Só eu não namoro” No poema, Drummond revela o seu jeito “ensimesmado”, dizendo como distante é o poeta das outras pessoas, que o nefelibata espia, sem nunca se envolver. Disto se retira que a interpretação sugerida pela autora da ação é manifestamente equivocada. Diga-se mais, o escritor de Itabira, em sua obra póstuma, O avesso das coisas, publicada em 1987, mostra, numa coleção de aforismos, relativos a vários temas, dentre eles a mulher, como prezava a inteligência e a perspicácia feminina: “A mulher é mais do que o homem quando este pretende ser mais do que a mulher.” É preciso interpretar, não só textos jurídicos, mas qualquer tipo de produção humana, quer seja científica, quer artística, dentro do seu contexto. E a peça publicitária que compõe a campanha “Musa do Verão” certamente vai de encontro aos valores que começaram a se formar, mercê do processo de redemocratização da sociedade brasileira, a partir dos anos 90, diante de marcos civilizatórios que não convivem mais com estereótipos e formas pré-concebidas. Enfim, a publicidade brasileira, reconhecida mundialmente pela sua capacidade criativa, vem dando mostras de que não se pode subjulgar a inteligência do público: é impensável hoje associar cigarro com práticas esportivas, noções antitéticas, tal qual se fazia antes, assim como não se cogita mais da associação entre consumo de bebida alcoólica e bom desempenho sexual, presente em vários anúncios publicitários do passado. A atuação do PROCON é fruto da consciência, que habita o coletivo, no sentido que não se pode estimular associações improváveis entre o corpo da mulher e objetos de consumo. Não se trata de exercer o direito de tolerância, tampouco de romper com uma certa hipocrisia social, na linha do “politicamente correto”, mas de perceber que a estética feminina, por mais apreciável que seja, não se confunde com lata de cerveja, produto que as pessoas consomem e depois jogam fora. É certo que, em tempos de racionalidade instrumental (Horkheimer) e de modernidade líquida (Bauman), tudo é disponível, descartável. Mas a filosofia contemporânea, ao mesmo tempo em que interpreta o mundo a nossa volta, denuncia, faz pensar. E é terrível perceber o quão desagregadora pode ser uma mensagem publicitária, promovida a peso de ouro, que penetra na casa das pessoas sem pedir licença. De mais a mais, a televisão é serviço público, atuando as empresas, neste ramo, mediante concessão. Nem se venha argumentar, de outra parte, com pesquisas unilaterais, cuja metodologia empregada se desconhece, na tentativa de comprovar que a sociedade brasileira apoia aquele tipo de peça publicitária. Tal argumento expõe-se à mesma crítica, formulada pela autora, quando se referiu pejorativamente ao material publicado na internet, cuja fonte e critérios se desconhece. Quanto às demais peças publicitárias que enveredariam pela exploração gratuita da sensualidade ou daquilo que é escatológico, diga-se que dois erros não perfazem um acerto. Aliás, a defesa que instituições e pessoas apresentam, sobretudo no campo da política, quando se veem pilhadas na prática do mal feito, recorre sempre a esta forma de argumento, mais do que reducionista, infantil: “mas fulano de tal também fez isto”. Diga-se, quanto à fixação da pena-base, que ela não se fez de maneira arbitrária, observando-se, de outra forma, os parâmetros estabelecidos na Portaria nº 23/2005 do PROCON, vigente à época dos fatos, no concernente à dosimetria da sanção pecuniária, mais especificamente, quanto aos termos da equação prevista na norma do artigo 5º, em consideração à gravidade da infração, à vantagem auferida e à condição econômica do infrator. E a fórmula acima enunciada atende à regra do artigo 57 da Lei Federal nº 8.078/90, havendo de se acrescentar que a Portaria não institui sanção ab ovo, limitando-se a regular o funcionamento do sistema contido no Código de Defesa do Consumidor, não havendo de se falar, portanto, em inconstitucionalidade. Noutras palavras, a Portaria não tipifica a conduta a que se amoldaram os fatos objeto do Auto de Infração, fazendo-o o próprio Código de Defesa do Consumidor, que estabelece a base e os limites para a aplicação da multa. Diga-se que o ato normativo apenas dá aplicação aos critérios utilizados para a fixação da penalidade, nos termos da Lei nº 8.078/90. Ao que se retira dos autos, a autora foi notificada pelo PROCON para apresentar os valores referentes à receita média mensal, a fim de que se fizesse o cálculo do valor da multa a ser aplicada. Diante da inércia da empresa, a Diretoria de Fiscalização estimou a receita, nos termos da regra do artigo 4º, caput, da Portaria PROCON nº 23/2005 (Demonstrativo de Cálculo a fls. 128). E não caberia ao PROCON sair à cata de balanços e balancetes, tomando o tempo útil de seu corpo técnico, para calcular a receita média mensal, mesmo porque, até mesmo no campo do Direito Tributário, é dado estabelecer a base de cálculo dos impostos, a exemplo do ICMS, com fulcro em estimativa, não ocorrendo que a Suprema Corte, em algum momento, tivesse declarado inconstitucional a Lei Estadual nº 6.374/89 ou respectivo Decreto. Enfim, a multa, considerado o porte econômico da empresa autuada, uma das maiores do mundo, é compatível com o tipo de atividade que desenvolve, atendendo à regra do artigo 111 da Constituição do Estado e às normas infraconstitucionais que regulam a espécie. O Judiciário não pode invadir quer função legislativa quer função executiva para excluir ou fixar a multa em percentual distinto daquele previsto na norma, a menos que vulnerado se veja o princípio da razoabilidade, o que, como já se disse, não é o caso. Em resumo, não colhe a pretensão deduzida na inicial, tratando-se de julgar improcedente a ação proposta pela AMBEV. Por conseguinte, condeno a autora ao pagamento de custas, despesas processuais e honorários advocatícios, estes fixados em R$ 8.000,00, nos termos da regra do artigo 20, § 4º, do Código de Processo Civil. De fato, não se trata de aplicar percentual sobre o valor da causa, porque a base de cálculo revela-se excessiva. Mais razoável, à luz do artigo 127 do Código de Processo Civil, e em atenção aos critérios estabelecidos no artigo 20, § 3º, a que se reporta o § 4º, o arbitramento dos honorários em valor tarifado. Nestes termos, dou provimento ao recurso da Fundação de Proteção e Defesa do Consumidor de São Paulo. Para fins de acesso aos Egrégios Tribunais Superiores, ficam expressamente pré-questionados todos os artigos legais e constitucionais mencionados pelos litigantes. PODER JUDICIÁRIO TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SÃO PAULO LUIZ SERGIO FERNANDES DE SOUZA Relator PODER JUDICIÁRIO TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SÃO PAULO VOTO Nº 29.517 APELAÇÃO CÍVEL Nº 0005431-07.2010.8.26.0053 de São Paulo APELANTE: FUNDAÇÃO DE PROTEÇÃO E DEFESA DO CONSUMIDOR - PROCON APELADA: COMPANHIA DE BEBIDAS DAS AMÉRICAS AMBEV S/A DECLARAÇÃO DE VOTO CONVERGENTE Acompanho o douto Relator sorteado, dando provimento ao recurso de apelação, pelas razões a seguir expostas. Trata-se de ação ordinária ajuizada por Companhia de Bebidas das Américas AMBEV objetivando a anulação ou, subsidiariamente, a redução, da penalidade imposta pela Fundação de Proteção e Defesa do Consumidor PROCON em razão da veiculação de anúncio televisivo supostamente discriminatório (fls. 02/26). A ação foi julgada procedente em primeira instância, “para declarar nula a multa imposta à autora no Auto de Infração nº 1037 série D5” (fls. 546/548). Contudo, a ação deve ser julgada improcedente. A publicidade, no caso em análise, é abusiva. Em primeiro lugar, esclareça-se que não existe, na hipótese, coisa julgada a vincular o deslinde da presente ação. De fato, a abusividade da propaganda foi afastada em sede de ação civil pública com pedido de reparação de danos morais coletivos, que foi julgada improcedente. Porém, como é cediço, os motivos da decisão não fazem coisa julgada Assim dispõe o artigo 37 do Código de Defesa do Consumidor: Art. 37. É proibida toda publicidade enganosa ou abusiva. [...] § 2° É abusiva, dentre outras a publicidade discriminatória de qualquer natureza, a que incite à violência, explore o medo ou a superstição, se aproveite da deficiência de julgamento e experiência da criança, desrespeita valores ambientais, ou que seja capaz de induzir o consumidor a se comportar de forma prejudicial ou perigosa à sua saúde ou segurança. Constata-se que o conceito legal de abusividade é muito abrangente, englobando “a publicidade discriminatória de qualquer natureza”. Discriminação é, de acordo com o Novo Dicionário Aurélio, “1. Ato ou efeito de discriminar. 2. Faculdade de distinguir ou discernir; discernimento. 3. Separação, apartação, segregação: discriminação racial. [...]” Devido à amplitude do conceito de propaganda discriminatória, não existe consenso entre os profissionais da publicidade e os juristas. Os órgãos de controle e o Poder Judiciário têm interpretado a norma, ao longo dos tempos, de modo a proteger a vulnerabilidade do consumidor, o que, no caso, abrange todo aquele que possa ter contato com a propaganda. Um exemplo de interpretação é a Resolução n. 163 do CONANDA (Conselho Nacional dos Direitos da Criança e do Adolescente). Regulamentando o § 2º do artigo 37 do Código de Defesa do Consumidor, segundo o qual é abusiva a publicidade que “se aproveite da deficiência de julgamento e experiência da criança”, a resolução proibiu todo tipo de propaganda destinada ao público infantil (menor de 12 anos). Daí se verifica a interpretação protetiva do consumidor potencial que se tem dado à regra. No caso dos autos, a propaganda de cerveja utiliza-se da figura de uma mulher para enaltecer a qualidade do seu produto. Para tanto, afirma que, se a fabricante da cerveja “fabricasse” a “Musa do Verão”, uma moça atraente vestindo um biquíni, essa seria distribuída a qualquer homem que se interessasse. Com isso, cria a ideia de que a mulher em questão é um bem a ser produzido em série e livremente consumido pelos homens. Coisificando a mulher, a peça discrimina, separa, aparta os gêneros, tratando o sexo masculino como o consumidor e o feminino como o bem a ser consumido, que deve ser perfeito (a propaganda faz alusão a um exemplar da “Musa” que teria “vindo com defeito”) para satisfazer aos desejos dos consumidores. A questão é de difícil solução. Há, no caso, colisão entre direitos fundamentais: de um lado, a liberdade de expressão e de criação do anunciante1 ; de outro, a proteção ao consumidor e à sociedade em geral contra a discriminação2 . Para solucionar o impasse, é preciso utilizar o critério do balanceamento, sopesando a necessidade de proteção aos direitos colidentes conforme as circunstâncias do caso concreto. No caso, é preciso observar o contexto social em que o dilema se instalou e o impacto da publicidade em análise. É certo que, em meados do século passado, era comum a veiculação de publicidade demeritória da imagem da mulher. Esse tipo de propaganda era aceita porque representava o pensamento da maioria da sociedade da época patriarcal e machista, na qual a mulher era vista como realizadora de todos os desejos dos homens, tanto os sexuais quanto os relativos aos serviços domésticos. Com o passar dos anos, ampliou-se a diversificação social, surgindo variados grupos de minorias que possuem voz ativa e representação tanto social 1 Inciso IX do artigo 5º da Constituição Federal: “é livre a expressão da atividade intelectual, artística, científica e de comunicação, independentemente de censura ou licença”. 2 Artigo 3º da Constituição Federal: “Constituem objetivos fundamentais da República Federativa do Brasil: [...] IV - promover o bem de todos, sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação.” Inciso XLI do artigo 5º: “a lei punirá qualquer discriminação atentatória dos direitos e liberdades fundamentais”. quanto política. A fragmentação social atual reflete-se em diversas áreas do conhecimento e repercute naquilo que é tido pela sociedade em geral como normal e necessário para a garantia de uma vida plural e rica em experiências e valores. As minorias foram paulatinamente ganhando espaço vejam-se as conquistas, antes impensáveis, como a união homoafetiva e as cotas raciais, hoje consolidadas pelo E. Supremo Tribunal Federal , não mais se tolerando ofensas e discriminações. Atualmente, a sociedade como um todo, ou ao menos a maior parte dela, parece entender a necessidade de se tutelarem esses grupos. Nesse contexto, o feminismo tem acirrado sua luta pela igualdade de direitos. No ano que passou, campanhas realizadas em redes sociais, como a #primeiroassedio e a #meuamigosecreto, tiveram estrondosa repercussão. Além disso, a mobilização das mulheres materializou-se em manifestações como as realizadas contra a aprovação da lei que dificultaria o acesso à pílula do dia seguinte. Assim, ainda que algumas celebridades ainda utilizem sua imagem física e sua sensualidade para se promoverem, é certo que há uma crescente conscientização a respeito da necessidade de se quebrarem estereótipos antiquados como o de que “mulher boa é bonita, burra e obediente”. As mulheres tem ganhado espaço no mercado de trabalho e no mercado consumidor, de modo que há cada vez mais campanhas publicitárias voltadas a esse público e que, inclusive, promovem a aceitação da mulher real, do corpo real. Neste ponto, observa-se que o próprio profissional de marketing, hoje, deve considerar essa diversidade de público e a ascensão do mercado consumidor feminino. Atualmente, há pesquisas indicando que parcela significativa (cerca de 1/3 a perto de metade) do mercado de cerveja brasileiro é formado por PODER JUDICIÁRIO TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SÃO PAULO mulheres3 . Por óbvio, uma campanha de indústria cervejeira deveria considerar e valorizar essa parcela considerável do seu mercado relevante. Porém, questões mercadológicas à parte, a propaganda em questão é mesmo abusiva, pois, ao objetificar a mulher, tratando-a como produto que deveria ser distribuído pela fabricante de cervejas para consumo masculino, faz discriminação de gênero e ofende os valores de um nicho grande da população. Observe-se que não se pretende aqui analisar a efetiva ofensividade da peça publicitária (pois cada consumidor potencial reagiria diferentemente à propaganda), mas, à semelhança do tratamento dado à publicidade infantil, buscas e coibir o potencial abusivo da mensagem. Sabe-se que a propaganda visa a despertar o desejo de compra do consumidor, que, ao tomar contato com um anúncio, utiliza seu cérebro primitivo, dominado pelo instinto. Por essa razão há proteção legal contra os desvios nocivos da propaganda: a pessoa está mais sujeita a ser influenciada por uma peça publicitária do que por uma peça humorística, por exemplo, independentemente do conteúdo dessa. Deve mesmo ser garantida a liberdade de expressão da atividade intelectual, artística, científica e de comunicação, como quer o inciso IX do artigo 5º da Constituição. Porém, essa liberdade é mais ampla quando não se refere à relação de consumo, em que há manifesta vulnerabilidade do consumidor. 3 V. , e . E essa diferenciação se dá por dois motivos. Em primeiro lugar, porque qualquer pessoa pode ser involuntariamente exposta à propaganda, quando, por exemplo, assiste à televisão ou transita pela cidade, enquanto, com relação a obras de outras naturezas, em regra o interessado deve buscar o contato. Em segundo lugar, porque, ao procurar assistir a uma peça humorística, por exemplo, o espectador está prevenido, preparado para o que há de vir, o que não ocorre com relação à propaganda, que, normalmente, é produzida de forma a acionar os instintos mais primitivos do consumidor, estimulando em seu espírito o desejo de compra4 . Assim, sem desconsiderar o direito à liberdade de expressão do anunciante, é certo que deve prevalecer, no caso em análise, a necessidade de defesa do consumidor potencial contra a abusividade consistente na discriminação de gênero e na ofensa proferida contra parcela significativa da população. Ante o exposto, dá-se provimento ao recurso para julgar improcedente a ação. MOACIR PERES 4 Veja-se a disseminação dos estudos e da utilização de técnicas de neuromarketing. Apelação nº 0005431-07.2010.8.26.0053 32.116 DECLARAÇÃO DE VOTO VENCIDO No que pesem os sólidos e eruditos fundamentos do respeitável voto condutor, enriquecidos pelas considerações tecidas pela culta revisoria, ouso divergir do desate para manter a sentença nos termos em que proferida. Pesa, inicialmente, o fato de o mesmo comercial, levado à aferição do Judiciário por meio de ação civil pública movida pelo Ministério Público, em que se o taxou de violador da mesma norma com base na qual a apelada foi punida art. 37, § 2º, do Código de Proteção e Defesa do Consumidor, ter sido reputado lícito, sem conteúdo enganoso ou, mais propriamente, abusivo. É o que cuidou de destacar a sentença ao transcrever fragmentos relevantes do voto do relator, Des. Enio Zuliani, proferido na Apelação nº 9000005-45.2009.8.26.0100. Ora, se o Estado-jurisdição proclamou a licitude do comercial ousado, sem sombra de dúvida –, não pode o Estadoadministração, contrariando o pronunciamento jurisdicional passado em julgado, pretender ver prevalecer a sanção administrativa aplicada em virtudedo mesmo fato e sob o mesmíssimo fundamento: ou há ilicitude ou não. E ficou assentado, no caso, não haver. A douta maioria, entretanto, optou por reavaliar a questão. Foi lembrado, inclusive, que haveria prevenção desta C. Câmara, mercê do Agravo de Instrumento nº 990.10.113520-5. Com a devida vênia, tal não representa causa de desconstituição da coisa julgada anteriormente formada e que, por isso mesmo, há de ser acatada –, constituindo, se tanto, fundamento para exercício de ação rescisória. E o novo julgamento implicou decisão conflitante, contraditória à primeira, claramente apto a gerar a insegurança jurídica que compete ao Judiciário, primordialmente, afastar das relações socioeconômicas. Só por isso, penso, o apelo não mereceria acolhida. Não obstante o foi, motivo pelo qual passo a analisar o conteúdo de sobredito comercial. Nele vi, a exemplo do Des. Zuliani, uma peça bem-humorada permeada de completo non-sense subjacente à absurda possibilidade de se reproduzir bela jovem, eleita “Musa do Verão de 2006” de modo a que cada sonhador pudesse tê-la não como uma figura distante, imaginária, mas como algo palpável, material, a seu alcance. Esforcei-me para não rir, mesmo, quando em sessão examinava a peça, pois não a conhecia (não sou dado a assistir televisão). É bem verdade ser elástico o conceito de publicidade abusiva. É aquela que não se qualifica como enganosa, sendo indeterminado seu conceito jurídico, “que deve ser preenchido na construção do caso concreto” (Alberto Pasqualotto), “levando-se em conta, nomeadamente, os valores constitucionais básicos da vida republicana” (Vidal Serrano Nunes)5 . Nem por isso, data venia, seu julgamento deve dissociar-se da realidade: é fato que, nas praias, os trajes femininos são cada vez mais sumários. É fato ser o ideal da musa componente do imaginário masculino e isso desde tempos bem antigos. O que fez o comercial sob julgamento? Transpôs ao mundo da publicidade essa realidade de nossos balneários ao onírico do público destinatário da mensagem, em filme de grande impacto por sua originalidade, irradiada da intensa dose de criatividade com que se houveram seus autores. Publicitários que bem souberam sintetizar esses fatores em peça recheada pelo BOM humor característico da picardia do brasileiro associado à alegria imanente a reuniões em cervejarias: in vino veritas.., in cerivisia felicitas! E o que se faz ao punir o anunciante com pesada multa é, justamente, cercear essa criatividade, inerente à liberdade de expressão garantia fundamental consagrada na Constituição – mediante ato de censura econômica, apenas porque alguns viram a ousadia como ofensa à condição feminina. Definitivamente, não foi essa minha leitura. Longe disso, vejo a situação em muito assemelhada à analisada por esta mesma câmara na Apelação nº 558.085-5 (atual 0160851-09.2006.8.26.0000), sob a batuta do Des. Nogueira Diefenthäler, mutatis mutandis: [...] não há como se falar que a peça publicitária 5 Grinover, Ada Pellegrini, e.o., “Código Brasileiro de Defesa do Consumidor Comentado pelos Autores do Anteprojeto, 9ª Ed., Forense Universitária, 2007, pgs. 350/4. autuada tenha conteúdo discriminatório, incite violência, explore o medo ou a superstição, se aproveite da deficiência de julgamento e experiência da criança, desrespeite os valores ambientais ou, até mesmo, que induza o consumidor a se comportar de forma prejudicial ou perigosa, tanto à sua saúde ou segurança. Ademais, nem mesmo poderia se cogitar ofensas à saúde ou integridade do animal envolvido o que poderia se cogitar numa ofensa a valores ambientais. Trata-se, sim, de comercial com nítido intuito jocoso, em que o adulto, crendo na ingenuidade do primata, vê-se surpreendido com a ação do animal, que não só reprime sua ação errônea como demonstra possuir inteligência suficiente para notar que o recipiente encontrava-se vazio. É a clássica situação de humor, em que aquele que se julga "esperto" acaba por fazer papel de "bobo" diante da reação da pessoa alvo de sua ação. E este foi o intuito da propaganda, demonstrar, com humor, que o macaco possui muito mais inteligência do que o ser humano imagina, a ponto de revidar a ação tomada pelo humano. Não há incitação à violência, incentivo em alimentar os animais, danos ambientais ou outras ações que possam implicar na subsunção ao disposto no §2° do art. 37 do Código de Defesa do Consumidor, mas sim, e tão somente, a criatividade dos publicitários brasileiros, que possuem grande destaque no mercado internacional justamente por cultivarem o bom humor e a inteligência das peças que criam. Acatar a tese defendida pelo recorrido acabaria por dar uma interpretação excessivamente extensiva ao disposto no §2° do art. 37 do Código de Defesa do Consumidor, a ponto de limitar sobremaneira a criatividade da publicidade (g.m.). E vou além: acatar a tese defendida pela apelante significa ferir de morte a publicidade brasileira, instigando seus agentes a ousar apenas em cenários neutros, com locutores trajados formalmente e textos cuidadosamente revistos a fim de que suscetibilidade alguma possa vir a ser ferida, sob pena de pesadas sanções. Claro cenário de materialização da pior das censuras: a autocensura! Peço vênia para ficar vencido. COIMBRA SCHMIDT 3º Juiz

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