Tribunal de Justiça do Estado de São
Paulo
Câmara Reservada ao
Meio Ambiente
Apelação 0003109-36.2010.8.26.0369 –
Voto 15633 – Monte Aprazível - Ra
VOTO Nº:
15633
APTE. :
Central Energética Moreno Açúcar e Álcool Ltda.
APDO. :
Fazenda Pública do Estado de São Paulo
MAGISTRADO
DE PRIMEIRO GRAU: Dr. Cristiano Mikhail
EMBARGOS
À EXECUÇÃO. A certidão da dívida ativa é líquida e certa e, no presente caso,
baseada em ato oriundo do Poder de Polícia, com presunção de legitimidade.
Ausentes elementos aptos a desconstruir tal certeza. Dispensabilidade de prévio
dano, ante os princípios da precaução e da prevenção. Desnecessidade da prova
requerida, não configurado o alegado cerceamento de defesa. Infração bem
enquadrada, gradação damulta adequada. REJEITADA A PRELIMINAR, É
NEGADOPROVIMENTO AO APELO.
Trata-se de apelação interposta contra
sentença de fls. 175/179 que julgou
improcedentes os
embargos à execução fiscal.
Inconformada, a embargante pleiteia a
reforma da decisão. Preliminarmente
sustenta a ocorrência
de cerceamento de defesa pelo
julgamento antecipado. No
mérito, aduz que, após ser advertida,
tratou a vinhaça com
cal virgem e o produto nunca mais
ensejou qualquer tipo de
inconveniente ao bem estar público ou
poluição ambiental.
Alega ainda que a questão é regrada
pelo
Decreto Federal nº 2.661/98 que regulamentou
o artigo 27 da
Lei 4.771/65, que nada dizem a
respeito de proibição de
fertilização de lavoura canavieira com
vinhaça tratada com
cal virgem. Subsidiariamente afirma
que, mesmo que se
considere existente a infração, ela
seria leve e não
gravíssima, pois o AIIPM foi refutado
e está sub judice.
As contrarrazões de apelo foram
regularmente
apresentadas (fls. 231/235). A douta
Procuradoria Geral de
Justiça opinou pelo não provimento do
apelo (fls. 242/243).
É O RELATÓRIO.
Consta dos autos que a embargante foi
autuada por agente da CETESB em
14/12/06, sob a alegação de
“deposição (acúmulo) de vinhaça no
solo”, infração
enquadrada nos artigos 2º, 3º, inciso
V e 51 do Regulamento
da Lei nº 997, de 31 de maio de 1976,
aprovado pelo Decreto
nº 8468 de 08 de setembro de 1976
(fls. 18).
Segundo consta do auto de inspeção a
fls.
28/32, em 16/12/2004 foi constatada a
deposição de vinhaça
no solo, acarretando a proliferação de
vetores (moscas). Em
27/12/2004 foi a embargante advertida,
consoante AIIPA nº
14001363 (fls. 33), no qual constou
determinação para que a
infratora tomasse as medidas
necessárias para cessar o
acúmulo de vinhaça e eliminar os
criadouros de vetores.
Em inspeção realizada em 03/06/2005
não
foram constatadas irregularidades
(fls. 36/49), contudo, na
vistoria realizada em 1º/12/2006 foram
constatadas algumas
irregularidades (fls. 51/55), havendo
acúmulo de vinhaça em
curvas de distribuição, o que culminou
com a lavratura do
AIIPM de fls. 56/57.
Por primeiro, saliento que a autuação
é ato
oriundo do poder de polícia e a
Administração, no caso a
CETESB e seus agentes, desfrutam de
presunção que longe de
ser um privilégio é um elemento para
tornar operativa a
consecução de suas atribuições.
Assim, conforme Celso Antonio Bandeira
de
Mello a presunção de legitimidade “é
a qualidade, que
reveste tais atos, de
se presumirem verdadeiros e conformes
o Direito, até prova
em contrário.” (In:
Curso de Direito
Administrativo, 12ª ed., Malheiros, p.
358).
Claro que essa presunção juris
tantum
perdura até ser questionada em juízo,
mas questionada com
provas. Ora, há um exercício de
desconstrução que cabe ao
insurgente, no caso a embargante,
levar adiante.
Segundo: há previsão, ademais, de
liquidez e
certeza da dívida ativa regularmente
inscrita, conforme
artigo 3º, da LEF. Isso apenas reforça a
necessidade do
manejo de provas. Aliás, os embargos
abrem uma nova
cognição exatamente para isso, para
que possa a embargante
lançar provas contra o título ou sua
constituição. Tal não
foi feito pela Central Energética
Moreno Açúcar e Álcool.
No mais, a questão do dano presumido
está
mal colocada. É que, primeiro, a
atuação já é lavrada por
agentes técnicos. Além disso, o
Direito Ambiental trabalha
grandemente com a idéia de prevenção e
precaução, na
verdade, ambos alçados a condição de
princípios jurídicos.
Logo, exigir a existência do dano para
a autuação não
parece producente, mais, parece
contraditório com a própria
principiologia atinente à matéria
ambiental.
Cito, acerca do princípio da
prevenção,
Patrícia Faga Iglecias Lemos:
“Tratando-se da
questão ambiental, muitas
vezes vamos nos
deparar com danos
irreparáveis: uma
floresta desmatada leva
anos para ser
reflorestada e a configuração
original jamais é
recuperada. Daí o
reconhecimento da
importância do princípio
da prevenção, pois é
preciso priorizar
medidas que evitem a
ocorrência de danos. O
art. 225 da CF prevê
implicitamente o
referido princípio ao
mencionar o dever de
preservação do meio
ambiente que se impõe à
coletividade e ao
Poder Público. Além disso,
trata de diversos
mecanismos preventivos do
dano, como a
exigência de estudo prévio de
impacto ambiental nos
casos de atividade
potencialmente
causadora de dano ao meio
ambiente; o dever do
Estado de controlar a
produção, a
comercialização e o emprego de
técnicas, métodos e
substâncias que
impliquem risco para
a vida, a qualidade de
vida e ao meio
ambiente; a preservação da
diversidade e da
integridade do patrimônio
genético, além da
previsão de participação
popular, que, por
exemplo, em audiências
públicas, pode auxiliar
na prevenção dos
danos. Com isso,
impende reconhecer que toda
a ação do direito
ambiental está voltada
para uma tutela
preventiva, pois a coação a
posteriori revela-se ineficaz. Isso
quer
dizer que os recursos
ambientais devem ser
utilizados de forma racional.”
(In:
Meio
Ambiente e Responsabilidade Civil do
Proprietário – Análise do Nexo Causal,
RT,
p. 67)
Sobre a precaução, leciona Tereza
Ancona
Lopez que “a única atitude que
poderá evitar os piores
danos à coletividade
ou aos indivíduos será a atitude da
precaução.” Assim, não só os
danos constatáveis
(prevenção), mas também os ainda
potenciais (precaução) são
enfrentados pela nova postura que o
Direito deve adotar.
Ainda, conforme a citada autora: “O
paradigma da segurança
transformou os
princípios da responsabilidade e da
solidariedade em
princípio da precaução. A segurança que
deve nortear a
sociedade atual tem, assim, no princípio da
precaução sua melhor
aposta.” (Princípio
da Precaução e
Evolução da Responsabilidade Civil,
Quartier Latin, 2010,
p. 239).
A própria feição intergeracional dos
direitos relativos ao meio ambiente,
pressupõe atividade
proativa antes da eclosão do dano. Por
isso a prova
requerida pela embargante era mesmo de
ser indeferida, por
não ser pertinente à solução da lide,
sendo legítimo o
julgamento antecipado, com arrimo nos
artigos 130 e 330 do
CPC, posto que os aspectos decisivos
estavam
suficientemente líquidos para o
convencimento do
magistrado, que é o destinatário da
prova. Uma vez maduro o
processo para receber sentença, não
havia motivo para
maiores delongas.
Por fim, à luz mesmo do art. 225 da
CF, que
exige das pessoas jurídicas de direito
público, sobretudo
as pessoas políticas, atuação
sinérgica e preventiva em
termos de meio ambiente, é evidente
que o exercício do
poder de polícia também se dá de forma
preventiva.
Logo, a autuação, havendo lei,
prescinde de
que haja dano ao meio ambiente. A
própria idéia contida na
expressão “preservação” afasta a idéia
de dano.
O Sistema de Prevenção e Controle da
Poluição do Meio Ambiente foi
instituído pela Lei 997/76. O
Decreto 8468/76 corrobora tal
afirmação. Portanto, havendo
notícia de poluição, era mesmo o caso
de se enquadrar a
conduta na previsão do artigo 51 do
Regulamento da Lei
997/76.
A gradação da pena de multa leva em
consideração a intensidade do dano,
circunstâncias
atenuantes ou agravantes e os
antecedentes do infrator
(artigo 80 do Decreto 8468,
regulamento da Lei 997/76).
A CETESB constatou que houve diversas
inspeções na empresa, desde junho de
2005 a dezembro de
2006, acerca de disposição
inadequada/acúmulo de vinhaça no
solo e, além disso, a embargante tinha
“antecedentes”, por
já ter sido multada anteriormente
(fls. 54), fatores que
levaram à classificação da multa na
modalidade gravíssima.
A mera discussão judicial acerca de
AIIPM
não autoriza a sua desconsideração,
até porque há a favor
da CETESB a presunção de veracidade da
prática de seus
atos.
Considera-se prequestionada a matéria
relativa aos recursos especial e
extradordinário.
Ante o exposto, REJEITADA A PRELIMINAR,
NEGO
PROVIMENTO ao recurso.
RUY ALBERTO LEME CAVALHEIRO
Relator
TJSP
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