Câmara Reservada ao
Meio Ambiente
Apelação 0156735-23.2007.8.26.0000 –
Voto 15905 – São Joaquim da Barra - Ra
COMARCA: São
Joaquim da Barra
APTES. e
reciprocamente APDOS.: FAZENDA DO ESTADO DE SÃOPAULO E J.M.
MAGISTRADO
EM 1º GRAU: DR. ALEXANDRE CESAR RIBEIRO
DIREITO AMBIENTAL. EMBARGOS. Prazo quinquenal da
prescrição, consoante o Decreto Federal n. 20.910/32. Decurso temporal inferior
a 5 (cinco) anos entre a exigibilidade da multa e o despacho que ordenou a
citação. Ausência de desconstrução da presunção de liquidez e certeza da dívida
regularmente inscrita. Desnecessárias as provas requeridas. Confissão de
intervenção na APP, bem como de não cumprimento integral do TCRA. Possibilidade
de cumulação dos honorários fixados na execução e nos embargos. Rejeitadas as
preliminares, é negado provimento ao recurso de J.M. e dado parcial provimento
ao recurso da Fazenda Pública.
Trata-se de apelação cível interposta
pelaFAZENDA PÚBLICA DO ESTADO E OUTRO contra
decisão de fls.35/38 que julgou improcedentes os embargos à execuçãoopostos por
J.M.
A Fazenda Pública apela alegando que oshonorários
foram fixados em quantia irrisória e pleiteia amajoração para 10% do valor da
condenação, cuja causaoriginal é quantificada em R$ 10.781,22, a menos que
sejapossível cumular os honorários da execução e dos embargos.
Quanto ao apelante J.M.,preliminarmente
sustenta o cerceamento de defesa e aocorrência da prescrição. No mérito, afirma
que nãopraticou ato infracional ao meio ambiente e que cumpriuintegralmente as
obrigações estipuladas no Termo deAjustamento de Conduta.
A Fazenda Pública apresentou
contrarrazõesde apelo (fls.64/65).
É O RELATÓRIO.
Primeiramente, entendo pertinente
algunsesclarecimentos. O executado foi autuado em 15/08/1997 por“executar
abertura de canais inferior a 2 metros delargura, em área de preservação
permanente com comprimentode 300 metros, sem licença do órgão ambiental ...”
(fls.69). Interpôs recurso administrativo (fls. 72/73), julgadoem 16/09/98
(fls. 79). Houve novo recurso (fls. 81/82),
julgado em 30/09/99 (fls. 90),
concedendo-se ao recorrente
os benefícios do artigo 42, parágrafo
único do Decreto
Federal nº 99.274/90.
Diante desse quadro, o apelante J.M. assinou
Termo de Compromisso de RecuperaçãoAmbiental em 24/02/2000 (fls. 94) e, ante o
nãocumprimento, foi notificado em 12/03/2001 a pagar atotalidade da multa (fls.
101 verso).
Não se verifica a prescrição no
presentecaso. Já de plano consigno que essa Câmara Especializadaentende incidir
prazo qüinqüenal constante do artigo 1º doDecreto Federal n. 20.910/32.
A autuação foi lavrada em 15/08/1997
e,desde então, houve dois recursos. O último deles foijulgado em 30/09/99,
contudo, teve a multa suaexigibilidade suspensa, nos termos do artigo 42 do
DecretoFederal nº 99.274/90. A multa só passou a ser exigível
quando constatado o não cumprimento do
TCRA (fls. 100
verso), sendo notificado o executado
em 12/03/2001 (fls.101 verso).
Portanto, desta última notificação
passou afluir o prazo quinquenal de prescrição. A dívida foiinscrita em
18/07/2005 (fls. 3 do apenso) e o despachoordenando a citação é de 26/08/2005,
conforme fls. 5 doapenso. Medeia, portanto, entre a constituição definitiva
do crédito e o despacho o prazo
inferior a 5 (cinco) anos.
Quanto à preliminar de cerceamento
dedefesa, por ter como fundamento argumentos que se confundemcom o mérito,
juntamente com este será analisada.
A autuação é ato oriundo do poder de
políciae a Administração, no caso a Secretaria do Meio Ambiente eseus agentes,
desfrutam de presunção que longe de ser umprivilégio é um elemento para tornar
operativa a consecuçãode suas atribuições.
Assim, conforme Celso Antonio Bandeira
deMello a presunção de legitimidade “é a qualidade, quereveste tais atos, de
se presumirem verdadeiros e conformes
o Direito, até prova
em contrário.” (In:
Curso de Direito
Administrativo, 12ª ed., Malheiros, p.
358).
Claro que essa presunção juris
tantumperdura até ser questionada em juízo, mas questionada comprovas. Ora,
há um exercício de desconstrução que cabe aoinsurgente, no caso o embargante,
levar adiante.
Há previsão, ademais, de liquidez e
certezada dívida ativa regularmente inscrita, conforme artigo 3º,da LEF. Isso
apenas reforça a necessidade do manejo deprovas. Aliás, os embargos abrem uma
nova cogniçãoexatamente para isso, para que possa o embargante lançarprovas
contra o título ou sua constituição. Tal não foifeito pelo embargante.
A questão do dano presumido está mal
colocada. É que, primeiro, a atuação
já é lavrada por
agentes técnicos.
Em segundo, o Direito Ambiental
trabalha
grandemente com a idéia de prevenção e
precaução, na
verdade, ambos alçados a condição de
princípios jurídicos.
Logo, exigir a existência do dano para
a autuação não
parece producente, mais, parece
contraditório com a própria
principiologia atinente à matéria
ambiental.
Cito, acerca do princípio da
prevenção,
Patrícia Faga Iglecias Lemos:
“Tratando-se da
questão ambiental, muitas
vezes vamos nos
deparar com danos
irreparáveis: uma
floresta desmatada leva
anos para ser
reflorestada e a configuração
original jamais é
recuperada. Daí o
reconhecimento da
importância do princípio
da prevenção, pois é
preciso priorizar
medidas que evitem a
ocorrência de danos. O
art. 225 da CF prevê
implicitamente o
referido princípio ao
mencionar o dever de
preservação do meio
ambiente que se impõe à
coletividade e ao
Poder Público. Além disso,
trata de diversos
mecanismos preventivos do
dano, como a
exigência de estudo prévio de
impacto ambiental nos
casos de atividade
potencialmente
causadora de dano ao meio
ambiente; o dever do
Estado de controlar a
produção, a
comercialização e o emprego de
técnicas, métodos e
substâncias que
impliquem risco para
a vida, a qualidade de
vida e ao meio
ambiente; a preservação da
diversidade e da
integridade do patrimônio
genético, além da
previsão de participação
popular, que, por
exemplo, em audiências
públicas, pode
auxiliar na prevenção dos
danos. Com isso,
impende reconhecer que toda
a ação do direito
ambiental está voltada
para uma tutela
preventiva, pois a coação a
posteriori revela-se ineficaz. Isso
quer
dizer que os recursos
ambientais devem ser
utilizados de forma
racional.” (In:
Meio
Ambiente e Responsabilidade Civil do
Proprietário – Análise do Nexo Causal,
RT,
p. 67)
Sobre a precaução, leciona Tereza
Ancona
Lopez que “a única atitude que
poderá evitar os piores
danos à coletividade
ou aos indivíduos será a atitude da
precaução.” Assim, não só os
danos constatáveis
(prevenção), mas também os ainda
potenciais (precaução) são
enfrentados pela nova postura que o
Direito deve adotar.
Ainda, conforme a citada autora: “O
paradigma da segurança
transformou os
princípios da responsabilidade e da
solidariedade em
princípio da precaução. A segurança que
deve nortear a
sociedade atual tem, assim, no princípio da
precaução sua melhor
aposta.” (Princípio
da Precaução e
Evolução da Responsabilidade Civil,
Quartier Latin, 2010,
p. 239).
A própria feição intergeracional
dosdireitos relativos ao meio ambiente, pressupõe atividadeproativa antes da
eclosão do dano.
Por fim, à luz mesmo do art. 225 da
CF, queexige das pessoas jurídicas de direito público, sobretudo
as pessoas políticas, atuação
sinérgica e preventiva em
termos de meio ambiente, é evidente
que o exercício do
poder de polícia também se dá de forma
preventiva.
Logo, a autuação, havendo lei,
prescinde de
que haja dano ao meio ambiente. A
própria idéia contida na
expressão “preservação” afasta a idéia
de dano. Claro, não
se preserva aquilo que já está
danificado.
No mais, a simples negativa da ação
primária
não convence. O próprio embargante
admitiu, na esfera
administrativa, que realizou trabalho
de limpeza no local
para “evitar que a vegetação
prejudique o curso normal das
águas e consequente alagamento” (fls.
72).
Denota-se que interviu sem autorização
e
mais, ao seu próprio ver realizou
“limpeza leve”. Contudo,
os técnicos da SMA, especializados
para atuar na área
ambiental, constataram que a
intervenção realizada
constituiu infração.
Não há necessidade de realização das
provas
pleiteadas. Mesmo que queira o
embargante comprovar o
cumprimento integral do TCRA, ele
mesmo afirmou que plantou
algumas mudas, entretanto nem todas
vingaram, “pegaram” e
“cresceram”. Assim, há nos autos
confissão de cumprimento
parcial do acordo, pois consta do TCRA
que as mudas
deveriam receber trato cultural até
atingirem a altura
média de 2 metros, justamente para que
não sucumbissem à
ação da própria natureza.
Além disso, o laudo de vistoria
técnica defls. 96/100, datado de 16/11/2000, constatou o plantio deapenas 50
mudas, o que corrobora o cumprimento parcial doTCRA, no qual o embargante se
comprometera a plantar 200mudas. O inadimplemento afastou o benefício do artigo
42,parágrafo único do Decreto Federal nº 99.274/90.
Diante desse quadro, a prova
requeridarealmente era desnecessária para o desfecho da ação, sendolegítimo o
julgamento antecipado com fulcro nos artigos 130e 330 do CPC, vez que os aspectos
decisivos já estavam suficientemente
líquidos, não havendo motivos para maioresdelongas.
Por tais ponderações, sem razão o
apelo deJ.M.
Por fim, no que tange aos honorários
fixados, percebe-se que a inicial dos
embargos não indicou
o valor da causa, fato este que a
Fazenda Pública não
impugnou tempestivamente. A inicial da
execução, fls. 2 do
apenso, indicou o valor da causa em R$
10.781,22.
É perfeitamente possível a cumulação
de
verba honorária, aquela inerente à
execução fiscal, gerada
por falta de pagamento ao auto
(causalidade) e isso somado
aquela inerente à improcedência dos
embargos, que gerou a
necessidade de defesa pelo exeqüente
(causalidade).
Se a matéria foi de singelo
enfrentamento,como de fato foi, pode-se arbitrar a verba no mínimo de 10%ou
abaixo, por eqüidade. Contudo, a cumulação é cabível e
atende ao princípio da causalidade.
Isso desde que não
ultrapasse o percentual de 20%.
Nesse sentido: AgRg nos EDcl no
REsp1151691/RS, rel. Min. Humberto Martins, j. em 07.12.2010,DJe de 14.12.2010.
Procedente, então, o recurso da
FazendaEstadual, somente para entender a sucumbência nos autos dos
embargos à execução fiscal como
autônoma em relação àquela
já arbitrada nos autos da execução
fiscal.
Considera-se prequestionada toda a
matéria
relativa aos recursos especial e
extraordinário.
Ante o exposto, REJEITADAS AS
PRELIMINARES,
NEGO PROVIMENTO ao apelo de J.M. e DOU
PARCIAL
PROVIMENTO ao apelo da Fazenda
Pública.
RUY ALBERTO LEME
CAVALHEIRO
Relator
Fonte: TJSP
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