Câmara
Reservada ao Meio Ambiente
Apelação 0028485-74.2007.8.26.0451 –
Voto 15571 – Piracicaba - Ra
COMARCA:
Piracicaba
APTE. :
Cosan S/A Indústria e Comércio
APDO. :
Fazenda Pública do Estado de São Paulo
MAGISTRADO
DE PRIMEIRO GRAU: Dr. Luiz Roberto Xavier
EMBARGOS À EXECUÇÃO. A exigência de depósito prévionão é
capaz de ensejar nulidade pois a recorrente não se valeudo Poder Judiciário no
momento adequado para refutar talexigência. Responsabilidade ambiental
objetiva. Apelante sebeneficiou da infração.Aplicação do Decreto 8.468/76, que
também deve ser utilizadopara nortear o quantum da multa. Classificação da
multaadequada ante os danos causados, considerando-se que o fogotambém atingiu
área de preservação permanente.REJEITADAS AS PRELIMINARES, NEGO PROVIMENTOAO
APELO.
Trata-se de apelação interposta
contrasentença de fls. 263/267 que julgou improcedente osembargos à execução
fiscal.
Inconformada, a embargante pleiteia
areforma da decisão. Preliminarmente, sustenta a nulidade doprocesso
administrativo visto que a defesa fora apresentadae ignorada pela falta do
depósito integral do valor damulta ambiental, o que fere a Súmula Vinculante 21
do STF ea Súmula 373 do STJ e, alternativamente, a nulidade do autode infração,
vez que não queimou a palha de cana de açúcar,como constou do referido auto de
infração, havendo
deficiência na fundamentação fática e
legal.
Alega que não é proprietária do imóvel
e nãoprovocou a queima, não realizou o corte e não promoveu ocarregamento do
produto, apenas recebeu a cana-de-açúcarcortada e, caso se recusasse a
recebê-la, infringiria oartigo 39 do Decreto Lei 3.855/41.
Aduz ainda a inaplicabilidade do
artigo 7º,parágrafo único, da Lei 997/76, vez que qualquer pessoa,até o
consumidor, pode se caracterizar como beneficiário;que não há relação de
causalidade entre a conduta do agentee a lesão da ordem jurídica e não deve ser
adotado odisposto no artigo 14, § 1º, da Lei 6.938/81 visto que opresente caso
se trata de responsabilidade administrativapenal.
Subsidiariamente defende a necessidade
dediminuição do valor da multa, fixada em valor excessivo,pois contraria o
artigo 24 da Lei 10.547/2000 e artigo 15do Decreto Estadual 47.700/2003.
As contrarrazões de apelo foram
regularmenteapresentadas (fls. 315/339). A douta Procuradoria Geral deJustiça
opinou pelo parcial provimento para readequar agradação da multa (fls.
358/363).
Em 27/02/2012 os autos foram
distribuídos aoDesembargador Moacir Peres, da 7ª Câmara de Direito Públicoque,
por decisão monocrática de 09/03/2012 não conheceu dorecurso e determinou a
redistribuição a esta CâmaraReservada ao Meio Ambiente.
É O RELATÓRIO.
Inicialmente, incabível a análise
acerca doefeito em que fora recebido o recurso de apelação.
Primeiro, porque tal apreciação cabe
ao juízo de primeiro
grau. Em segundo, cabia ao apelante,
na época, valer-se do
recurso cabível para impugnar os
efeitos em que a apelação
fora recebida. Não o fazendo, a
questão precluiu.
Consta dos autos que a embargante
foiautuada por agente da CETESB, sob a alegação de, em19/06/06, “queimar
palha de cana-de-açúcar ao ar livre emáreas com restrições: a menos de 50
(cinquenta) metroscontados ao redor do limite de estação ecológica, dereserva
biológica, de parques e demais unidades de
conservação, causando
inconvenientes ao bem-estar público”,
infração enquadrada no artigo 4º,
inciso III, do Decreto
47.700 de 11/03/2003 e artigos 2º, 3º,
inciso V e 26 do
Regulamento da Lei nº 997, de 31 de
maio de 1976, aprovado
pelo Decreto nº 8468 de 08 de setembro
de 1976 (fls. 39).
Segundo consta do auto de infração
jácitado, houve queima de palha de cana-de-açúcar ao ar livreem uma área
adjacente a Estrada Municipal do Pau-Queimado,município de Piracicaba.
A alegação de nulidade pela exigência
deprévio depósito da multa para a análise do recurso na faseadministrativa não
merece acolhimento.
Realmente, a garantia da ampla defesa
estarávulnerada na hipótese de exigência de depósito ou derecolhimento da
multa, como condição de apreciação daprimeira defesa administrativa,
impropriamente designada“recurso”.
“Não há como condicionar a primeira
defesaem procedimento administrativo ao prévio recolhimento damulta, ainda que
aquela manifestação venha caracterizada,pela lei, como recurso” (JTJ
132/206, 140/112, etc). É queo artigo 10, parágrafo único da Lei n. 997/76
confereoportunidade de defesa ao autuado, para derrubar a
presunção juris tantum de
legalidade e legitimidade do atoadministrativo.
Inclusive, em 10.11.2009 o Supremo
Tribunal
Federal editou a Súmula Vinculante nº
21, que diz:
“É inconstitucional a
exigência de depósito
ou arrolamento
prévios de dinheiro ou bens
para a
admissibilidade de recurso
administrativo”.
Entretanto, cabia à ora apelante se
valer do
Poder Judiciário no momento adequado
para ver assegurado
esse direito de defesa administrativa
sem o prévio
recolhimento ou depósito da multa,
ingressando com mandado
de segurança ou outro meio judicial
que entendesse cabível,
na defesa de seus direitos. A
exigência desse depósito por
si só não implica nulidade da autuação
ou do processo
administrativo. Além disto, nestes
embargos a ora apelante
pode exercer plenamente o mesmo
direito de defesa.
As alegações acerca da nulidade do
auto de
infração se confundem com o mérito e
juntamente com este
serão analisadas.
Prevê o artigo 14, § 1º, da Lei
6.938/81:
Sem obstar a
aplicação das penalidades
previstas neste
artigo, é o poluidor
obrigado,
independentemente da existência de
culpa, a indenizar ou
reparar os danos
causados ao meio
ambiente e a terceiros,
afetados por sua
atividade. O Ministério
Público da União e
dos Estados terá
legitimidade para
propor ação de
responsabilidade
civil e criminal, por danos
causados ao meio
ambiente.
Assim, a responsabilidade em questões
ambientais é objetiva, mesmo que a
apelante defenda posição
diversa. Ademais, o artigo 80, § 2º,
do Decreto 8.468 prevê
que “responderá pela infração quem de
qualquer modo a
cometer, concorrer para a sua prática
ou dela se
beneficiar”. Portanto, uma vez que a embargante
processou a
cana-de-açúcar queimada, dela se
beneficiou, afastada,
aqui, a tese de nulidade do auto de
infração.
O benefício vislumbrado é o de obter
lucro,
o que muito se difere da atitude de um
consumidor que
compra açúcar para consumo próprio.
No mais, pouco importa se a embargante
era
ou não proprietária da área, se
participou do ato que
originou a queimada ou se cortou ou
transportou a cana-deaçúcar,
pois está sendo responsabilizada por
ter se
aproveitado do produto da infração.
Nesse sentido, já decidiu esta Colenda
Câmara:
... A multa foi bem
aplicada, portanto.
Resultou da expressa
leitura do parágrafo
único do artigo 80 do
Decreto 8.468/76:
responderá pela
infração quem por qualquer
modo a cometer,
concorrer para sua prática
ou dela se beneficiar.
Inegável que em ao
menos uma das
hipóteses legais a apelante se
inclui. Sua atividade
é canavieira. Não nega
empregar o método
rústico e nocivo. Ainda
não se adaptou à
modernidade e não se
apercebeu que o
etanol produzido de maneira
ambientalmente
inadequada não terá vez no
mercado civilizado do
Primeiro Mundo. E
mesmo que se fale em
fogo acidental, ou se
argumente com a
imputação do incêndio a
terceiros
desconhecidos, ainda assim a
embargante haveria de
ser responsabilizada.
O fato de não ter sido
ela a autora da
queima - o que não se
comprovou - não a
beneficia. É que
atendeu aos seus intuitos
receber a colheita da
cana previamente
submetida ao
tratamento rudimentar. A usina
pode negar ter sido a
agente da queima ou
ainda afirmar que o
incêndio foi criminoso.
Só que ela não
receberia a cana se não
houvesse uma conduta
ilícita por parte do
fornecedor ou dos
supostos piromaníacos.
Beneficiou-se da
atividade poluidora ao
utilizar a cana como
matéria prima para a
fabricação de seus
produtos, e por isso deve
ser responsabilizada
pelos danos ambientais.
Ora, nada mais
ilícito que receber matéria
prima obtida a
expensas de um meio ambiente
sadio e
ecologicamente equilibrado, da saúde
dos membros da
comunidade, e de práticas
agrícolas
sustentáveis. Todo agente causador
de dano ecológico é
responsável por suas
conseqüências. Está
totalmente superada a
questão procedimental
estéril de se eximir
alguém da
responsabilidade, sob argumento de
que não foi o
causador da queimada. A
jurisprudência segue
o caminho mais sensato:
todo aquele que tirar
proveito da conduta
lesiva, poderá ser
chamado a responder por
ela. Parceiro,
arrendatário, titular,
promitente comprador,
meeiro, seja qual for
a natureza jurídica
da avença ou a situação
que se pretenda fazer
configurar, a resposta
do Estado-juiz deverá
ser a mesma. Já não é
possível invocar
descomprometimento para se
eximir de obrigações
assumidas perante as
atuais e as futuras
gerações. A
responsabilidade é
solidária e objetiva.
Incide na espécie o
velhíssimo brocardo
romano de que o ônus
deve ser suportado por
quem se beneficia da
prática. Todos os réus
devem responder pela
nociva atuação em
relação à natureza.
Importa considerar que o
fogo ocorreu em
terreno de propriedade
destinada ao cultivo
de cana-de-açúcar a ser
empregada na
atividade da USINA SÃO LUIZ
S/A. Ao comprar a
cana, colaborou com o
ilícito. Haveria se
falar, no mínimo, em
culpa in eligendo da
embargante, embora a
demonstração da
culpabilidade, na hipótese
sub judice, seja
desnecessária. (Apelação
Cível n°
9063539-69.2009.8.26.0000, Câmara
Reservada ao Meio
Ambiente, Relator Des.
Renato Nalini,
julgado em 31/03/2011).
A responsabilidade objetiva baseia-se
em
elementos concretos, presentes no caso
em tela, quais sejam
a ocorrência do dano e a atividade de
risco desenvolvida
pela apelante. Consoante a teoria do
risco integral
adotada, o dano deve ser evitado por
aquele que pratica a
atividade, sob pena de
responsabilização.
Tampouco há que se invocar o Decreto
3.855/41, desprovido de qualquer
eficácia no mundo jurídico
atual, visto que as leis posteriores
revogaram seus
dispositivos, especialmente a atual
Constituição Federal e
o Código Civil.
Inaplicáveis as disposições do artigo
24 da
Lei 10.547/2000 e artigo 15 do Decreto
Estadual 47.700/2003
para a dosimetria da multa, vez que a
apelante foi autuada
por ter se beneficiado da queima, nos
termos do artigo 80,
§ 2º, do Decreto 8.468/76. Tal
beneficiamento não é
previsto na lei e decreto invocados
pela apelante, logo, o
critério para a aplicação da multa
deve ser aquele do
Decreto que ensejou a autuação.
A gradação da pena de multa leva em
consideração a intensidade do dano,
circunstâncias
atenuantes ou agravantes e os
antecedentes do infrator
(artigo 80 do Decreto 8468,
regulamento da Lei 997/76). A
CETESB realizou inspeção no local
(conforme apenso do
processo administrativo fls. 2 a 10),
verificou a
existência do fogo e dos danos.
Denota-se do relatório de fls. 7 do
apenso
que, além dos danos característicos de
uma queimada, o fogo
atingiu também área de preservação
permanente, o que
justifica sua classificação como
gravíssima.
Some-se o fato de que a poluição
causada no
presente caso foi do ar, que se
constitui quiçá na pior
espécie, pela impossibilidade de
recuperação daquilo que
assim é lançado. Enquanto que há
condições de reduzir
efeitos da poluição da terra, da água,
aquilo que é lançado
ao ar e dissolvido pela movimentação
do vento não é mais
passível de ser recolhido. Também os
efeitos maléficos à
saúde da população não tem como serem
remediados.
Considera-se prequestionada a matéria
relativa aos recursos especial e
extradordinário.
Ante o exposto, REJEITADAS AS
PRELIMINARES,
NEGO PROVIMENTO ao recurso.
RUY ALBERTO LEME CAVALHEIRO
Relator
TJSP
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